PLV 15/2020 (MPV 936/2020) e as alterações na Lei da Participação nos Lucros e Resultados

A aprovação pelo Congresso Nacional do Projeto de Lei de Conversão (PLV) nº 15/2020 à MPV 936/2020 introduziu, de forma indevida, alterações na Legislação sobre a Participação nos Lucros e Resultados (PLR).

A inclusão do artigo 36 na redação final do PLR não observou o princípio constitucional do devido processo legislativo, consistindo em matéria estranha ao objeto da MPV 936, que era instituir o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda; dispõe sobre medidas complementares para enfrentamento do estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020, e da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus, de que trata a Lei nº 13.979.

Na Câmara dos Deputados, essa alteração foi inserida por emenda em plenário, e não constava do Parecer do relator, deputado Orlando Silva (PCdoB-SP).
No Senado Federal, foram apresentados diversos requerimentos de impugnação de matéria estranha, em face da decisão do STF na ADI 5.127, assim ementada:

“DIREITO CONSTITUCIONAL. CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE. EMENDA PARLAMENTAR EM PROJETO DE CONVERSÃO DE MEDIDA PROVISÓRIA EM LEI. CONTEÚDO TEMÁTICO DISTINTO DAQUELE ORIGINÁRIO DA MEDIDA PROVISÓRIA. PRÁTICA EM DESACORDO COM O PRINCÍPIO DEMOCRÁTICO E COM O DEVIDO PROCESSO LEGAL (DEVIDO PROCESSO LEGISLATIVO). 1. Viola a Constituição da República, notadamente o princípio democrático e o devido processo legislativo (arts. 1º, caput, parágrafo único, 2º, caput, 5º, caput, e LIV, CRFB), a prática da inserção, mediante emenda parlamentar no processo legislativo de conversão de medida provisória em lei, de matérias de conteúdo temático estranho ao objeto originário da medida provisória. 2. Em atenção ao princípio da segurança jurídica (art. 1º e 5º, XXXVI, CRFB), mantém-se hígidas todas as leis de conversão fruto dessa prática promulgadas até a data do presente julgamento, inclusive aquela impugnada nesta ação. 3. Ação direta de inconstitucionalidade julgada improcedente por maioria de votos.”

Contudo, não foram suprimidas pelo Plenário as alterações à Lei nº 10.101/2000, contidas, originalmente, no art. 35 e no art. 40 do PLV 15.

Foram suprimidas, pelo mesmo fundamento que deveria determinar a exclusão desses artigos, o art. 27, que tratava de alterações à lei do crédito consignado, o art. 32, que tratava de alterações à CLT, e o art. 38 do PLV, que alterava a Lei nº 8.177/1990 (correção de dívidas trabalhistas), além do art. 33 e parte do art. 40 (alterações na Lei nº 8.212/1991 relativas a auxílio-alimentação).

Na redação final enviada à sanção, permaneceram normas que, com conteúdo estranho ao objeto da MPV, não poderiam ingressar no mundo jurídico.
As modificações repetem o conteúdo, não aprovado pelo Congresso em 2020, da Medida Provisória nº 905, de 2019, e do seu PLV não apreciado pelo Senado, configurando, ainda, votação de matéria prejudicada na mesma sessão legislativa.

As alterações à Lei nº 10.101, de 2000, tem caráter modificativo e interpretativo. Caso venham a ter aplicação retroativa, poderão ser desconstituídas multas e imposições tributárias de elevado montante.
O art. 36 do PLV enviado à sanção, em particular, é dispositivo anômalo, para definir o “caráter interpretativo” das normas sobre PLR alteradas pelo PLV no at. 32 da redação final aprovada.

As leis interpretativas, pretensamente, não inovam no campo do direito e não tem caráter modificativo da relação jurídica, e, excepcionalmente, podem ter eficácia retroativa.

No caso em questão, a norma parece destinada a solver controvérsias sobre a aplicação da legislação sobre PLR, afastando inseguranças jurídicas em favor das empresas, inclusive quanto a pagamentos pretéritos.

Caso tenha efeito retroativo, poderão perder validade autuações aplicadas pela Receita a empresas e bancos. Nos termos do Anexo à Lei nº 10.101/2000, as PLR de até R$ 6,6 mil são isentas do pagamento de Imposto de Renda (IR). Acima dessa quantia, é cobrado o IR (tributação exclusiva na fonte). Não incidem, ainda, FGTS e contribuição previdenciária sobre a PLR.

Dessa forma, parcelas de PLR que, em face das demais regras, tenham sido pagas e desconsideradas, poderão voltar a sê-lo, afastando as multas aplicadas, a incidência do IR e demais contribuições.

Segundo o Valor Econômico[1] , desde 2015, o CARF baixou mais de 320 acórdãos sobre o assunto, a maioria contrária às empresas. O banco BTG Pactual e suas controladas, por exemplo, estão num litígio que soma R$ 608,9 milhões. Outro banco, o Santander, foi autuado em R$ 5,4 bilhões.

O PLV ainda está pendente de sanção presidencial. Caso sejam mantidas as regras contidas nos art. 32 e 36 do PLV 15/2020, caberá Arguição de Inconstitucionalidade pela via de Ação Direta no Supremo Tribunal Federal, pelos mesmos fundamentos já adotados pela Corte na ADI 5.127.

[1] MP facilita concessão de PLR e livra empresas de multas. Disponível em: https://valor.globo.com/impresso/noticia/2020/06/26/mp-facilita-concessao-de-plr-e-livra-empresas-de-multas.ghtml


Estudo comparado

Norma em vigor
Art. 2º A participação nos lucros ou resultados será objeto de negociação entre a empresa e seus empregados, mediante um dos procedimentos a seguir descritos, escolhidos pelas partes de comum acordo:

[Dispositivos referidos]
Incisos I e II do caput:
I - comissão paritária escolhida pelas partes, integrada, também, por um representante indicado pelo sindicato da respectiva categoria;
II - convenção ou acordo coletivo.

[Dispositivo referido]
2º É vedado o pagamento de qualquer antecipação ou distribuição de valores a título de participação nos lucros ou resultados da empresa em mais de 2 (duas) vezes no mesmo ano civil e em periodicidade inferior a 1 (um) trimestre civil. 


MPV 905/2019
Art. 48. A Lei nº 10.101, de 19 de dezembro de 2000, passa a vigorar com as seguintes alterações:

"Art. 2º ...................................................................................................................
I - comissão paritária escolhida pelas partes;
............................................................................................................................................
............................................................................................................................................

§3-A. A não equiparação de que trata o inciso II do § 3º não é aplicável às hipóteses em que tenham sido utilizados índices de produtividade ou qualidade ou programas de metas, resultados e prazos.
.................................................................................................................................................
.................................................................................................................................................

§5º As partes podem:
I - adotar os procedimentos de negociação estabelecidos nos incisos I e II do caput e no § 10º simultaneamente; e
II - estabelecer múltiplos programas de participação nos lucros ou nos resultados, observada a periodicidade estabelecida pelo § 1º do art. 3º.

§6º Na ?xação dos direitos substantivos e das regras adjetivas, inclusive no que se refere à ?xação dos valores e à utilização exclusiva de metas individuais, a autonomia da vontade das partes contratantes será respeitada e prevalecerá em face do interesse de terceiros.

§7º Consideram-se previamente estabelecidas as regras ?xadas em instrumento assinado:
I - anteriormente ao pagamento da antecipação, quando prevista; e
II - com antecedência de, no mínimo, noventa dias da data do pagamento da parcela única ou da parcela ?nal, caso haja pagamento de antecipação.

§8º A inobservância à periodicidade estabelecida no § 2º do art. 3º macula exclusivamente os pagamentos feitos em desacordo com a norma, assim entendidos:
I – os pagamentos excedentes ao segundo, feitos a um mesmo empregado, no mesmo ano civil; e
II - os pagamentos efetuados a um mesmo empregado, em periodicidade inferior a um trimestre civil do pagamento anterior.

§9º Na hipótese do inciso II do § 8º, mantêm-se a higidez dos demais pagamentos.

§10º Uma vez composta, a comissão paritária de que trata o inciso I do caput deste artigo dará ciência por escrito ao ente sindical para que indique seu representante no prazo máximo de 10 (dez) dias corridos, findo o qual a comissão poderá iniciar e concluir suas tratativas.”(NR)

"Art. 5º-A. São válidos os prêmios de que tratam os § 2º e § 4º do art. 457 da Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-lei nº 5.452, de 1943, e a alínea "z" do § 9º do art. 28 desta Lei, independentemente da forma de seu de pagamento e do meio utilizado para a sua ?xação, inclusive por ato unilateral do empregador, ajuste deste com o empregado ou grupo de empregados, bem como por norma coletiva, inclusive quando pagos por fundações e associações, desde que sejam observados os seguintes requisitos:
I - sejam pagos, exclusivamente, a empregados, de forma individual ou coletiva;
II - decorram de desempenho superior ao ordinariamente esperado, avaliado discricionariamente pelo empregador, desde que o desempenho ordinário tenha sido previamente de?nido;
III - o pagamento de qualquer antecipação ou distribuição de valores seja limitado a quatro vezes no mesmo ano civil e, no máximo, de um no mesmo trimestre civil;
IV - as regras para a percepção do prêmio devem ser estabelecidas previamente ao pagamento; e
V - as regras que disciplinam o pagamento do prêmio devem permanecer arquivadas por qualquer meio, pelo prazo de seis anos, contado da data de pagamento." (NR)


PLV 15/2020 - MPV 936/2020
Art. 32. O art. 2º da Lei nº 10.101, de 19 de dezembro de 2000, passa a vigorar com as seguintes alterações:

"Art. 2º ...................................................................................................................
................................................................................................................................

§3º-A A não equiparação de que trata o inciso II do § 3º deste artigo não é aplicável às hipóteses em que tenham sido utilizados índices de produtividade ou qualidade ou programas de metas, resultados e prazos.

§5º As partes podem:
I - adotar os procedimentos de negociação estabelecidos nos incisos I e II do caput deste artigo, simultaneamente; e
II - estabelecer múltiplos programas de participação nos lucros ou nos resultados, observada a periodicidade estabelecida pelo § 2º do art. 3º desta Lei.

§6º Na fixação dos direitos substantivos e das regras adjetivas, inclusive no que se refere à fixação dos valores e à utilização exclusiva de metas individuais, a autonomia da vontade das partes contratantes será respeitada e prevalecerá em face do interesse de terceiros.

§7º Consideram-se previamente estabelecidas as regras fixadas em instrumento assinado:
I - anteriormente ao pagamento da antecipação, quando prevista; e
II - com antecedência de, no mínimo, 90 (noventa) dias da data do pagamento da parcela única ou da parcela final, caso haja pagamento de antecipação.

§8º A inobservância à periodicidade estabelecida no § 2º do art. 3º desta Lei invalida exclusivamente os pagamentos feitos em desacordo com a norma, assim entendidos:
I - os pagamentos excedentes ao segundo, feitos a um mesmo empregado, dentro do mesmo ano civil; e
II – os pagamentos efetuados a um mesmo empregado, em periodicidade inferior a um trimestre civil do pagamento anterior.

§9º Na hipótese do inciso II do § 8º deste artigo, mantém-se a validade dos demais pagamentos.

§10. A participação nos lucros ou nos resultados de que trata esta Lei poderá ser ?xada diretamente com o empregado de que trata o parágrafo único do art. 444 da Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943." (NR)

Art. 36 [37]. Para efeito de aplicação do inciso I do caput do art. 106 da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 (Código Tributário Nacional), têm caráter interpretativo as seguintes alterações promovidas pela presente Lei nos §§ 3º-A, 5º, 6º, 7º, 8º e 9º do art. 2º da Lei nº 10.101, de 19 de dezembro de 2000.

Comentários
A MPV 905 excluía a previsão de que a comissão paritária escolhida pelas partes para negociar a participação nos lucros e resultados seja, obrigatoriamente, integrada por um representante indicado pelo sindicato da respectiva categoria. O PLV 15 não abordou esse item.

Insere novo dispositivo (§ 3º -A) na Lei da PLR para afastar a não equiparação das entidades sem fins lucrativos a “empresas” para os fins de distribuição dos lucros, quando essas utilizarem índices de produtividade ou qualidade ou programas de metas, resultados e prazos. Nesses casos, haveria a presunção de que buscam resultados financeiros compatíveis com a noção de “resultados” ainda que não haja fins lucrativos.

Insere novo dispositivo (§ 5º, I e II) para dispor sobre procedimentos para negociação da PLR. O texto da MPV 905 inseria a hipótese de negociação direta com trabalhador com nível superior e que perceba salário mensal igual ou superior a duas vezes o limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social. O texto do PLV 15 no inciso I do novo § 5º afastou essa hipótese. O novo inciso II introduz a possiblidade de estabelecimento de “múltiplos programas” de PLR, desde que limitado a 2 vezes no ano civil e com pelo menos 1 trimestre de intervalo entre elas.

O (§ 6º) explicita a prevalência da “autonomia de vontade das partes” na fixação de direitos e regra da PLR, contra interesses de terceiros. O objetivo da norma é afastar a atuação da Receita Federal quanto a regras fixadas em acordos de PLR. A expressão “interesses de terceiros” é indeterminada mas não poderá ser empregada contra o Estado, em face do princípio da supremacia do interesse público, nem para proteger acordos que configurem ilegalidade ou fraude à lei. Contudo como a CLT no art 611-A assegura a prevalência do negociado sobre o legislado no caso de PLR, haverá controvérsias sobre o alcance desses “acordos”.

O dispositivo (§ 7º) tem caráter interpretativo. Assim, as regras terão que ser fixadas por acordo de forma antecipada, com pelo menos 90 de anterioridade ao pagamento. O item afasta o entendimento da SRFB e do CARF de que a PLR deveria ser prevista em ajuste pelas partes antes do início do período de aferição das metas, o que na maioria das vezes se remete à anterioridade de um ano. Será considerado nulo o pagamento de PLR que não observe a periocidade fixada na Lei. Dessa forma, não será considerado PLR o que for pago além da segunda parcela no ano civil, ou em periodicidade inferior a um trimestre.

Contudo, conforme (§9º) somente os pagamentos excedentes serão descaracterizados como PLR.

A MPV 905 permitia a fixação da PLR em separado, por meio de livre negociação, entre a empresa e o empregado portador de diploma de nível superior e que perceba salário mensal igual ou superior a duas vezes o limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social. Esse dispositivo (§ 10º) não foi mantido no PLV 15.

O §10 é novo dispositivo do PLV 15. Disciplina a indicação do representante da entidade sindical na comissão paritária de negociação da PLR.

A MPV 905 inseria na Lei do PLR regras relativas ao pagamento de “prêmios” aos empregados, previstos no art. 457 da CLT, em forma de bens, serviços ou valor em dinheiro a empregado ou a grupo de empregados, em razão de desempenho superior ao ordinariamente esperado no exercício de suas atividades. O dispositivo (Art. 5º-A) não foi mantido no PLV 15.

Inserido dispositivo (Art. 36 [37]) originalmente proposto pelo relator da MPV 905, mas que não foi aprovado. Trata-se de dispositivo anômalo, para definir o “caráter interpretativo” das normas sobre PLR alteradas pelo PLV. As leis interpretativas, pretensamente, não inovam no campo do direito e não tem caráter modificativo da relação jurídica, e, excepcionalmente, podem ter eficácia retroativa. No caso em questão, a norma parece destinada a solver controvérsias sobre a aplicação da legislação sobre PLR, afastando inseguranças jurídicas em favor das empresas, inclusive quanto a pagamentos pretéritos. Caso tenha efeito retroativo, poderão perder validade autuações aplicadas pela Receita a empresas e bancos.

Nos termos do Anexo à Lei nº 10.101, as PLR de até R$ 6,6 mil são isentas do pagamento de Imposto de Renda (IR). Acima dessa quantia, é cobrado o IR (tributação exclusiva na fonte). Não incidem, ainda, FGTS e contribuição previdenciária sobre a PLR. Dessa forma, parcelas de PLR que, em face das demais regras, tenham sido pagas e desconsideradas, poderão voltar a sê-lo, afastando as multas aplicadas, a incidência do IR e demais contribuições. Segundo o Valor Econômico [2], desde 2015, o CARF baixou mais de 320 acórdãos sobre o assunto, a maioria contrária às empresas. O banco BTG Pactual e suas controladas, por exemplo, estão num litígio que soma R$ 608,9 milhões. Outro banco, o Santander, foi autuado em R$ 5,4 bilhões. 

[2] MP facilita concessão de PLR e livra empresas de multas. Disponível em: https://valor.globo.com/impresso/noticia/2020/06/26/mp-facilita-concessao-de-plr-e-livra-empresas-de-multas.ghtml

Em 26 de junho de 2020.

Luiz Alberto dos Santos, Consultor Legislativo e Advogado.

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