21 pontos da reforma trabalhista que ainda podem ser revertidos

A Repórter Brasil ouviu especialistas sobre quais vetos deveriam ser feitos por medida provisória para reduzir perdas de direitos do trabalhador. Eles defendem que ainda é possível corrigir consequências graves da reforma.

Apesar de já ter sido aprovada pelo Congresso Nacional e sancionada pelo presidente Michel Temer no dia 13 de julho, a reforma trabalhista continua em negociação. Senadores deixaram de fazer alterações no texto que veio da Câmara para acelerar sua aprovação, fechando um acordo com o Palácio do Planalto de que ajustes no projeto de lei seriam feitos posteriormente, por meio de medida provisória (MP).

Uma versão prévia dessa MP já circulou pelo Congresso. A perspectiva é que, mesmo se o Palácio do Planalto não negociar agora mudanças na reforma, isso poderá acontecer no Congresso, onde ela precisa ser votada e pode ser alterada livremente pelos parlamentares.

A Repórter Brasil conversou com 12 pesquisadores, advogados, sindicalistas, juízes, procuradores e auditores críticos à reforma para saber quais alterações poderiam ser feitas para preservar minimamente a dignidade do trabalhador (leia nos tópicos abaixo). Saiba quem são as fontes ouvidas no final da matéria.

Os pontos levantados por esses especialistas vão muito além das alterações pontuais propostas até agora, em minuta da MP elaborada pelo ExeCUTivo. "As grandes mudanças prejudiciais à proteção social do trabalho permanecem intactas e foram sancionadas", afirma Rafael Dias Marques, procurador do Ministério Público do Trabalho.

Todos os entrevistados concordam que os principais pontos da reforma representam retrocesso irremediável via MP. São eles: o negociado sobre o legislado, a ampliação da terceirização, a queda de restrições para contratação de autônomos e as novas formas de contrato. Porém, ainda que não seja possível derrubar esses pontos na íntegra, algumas entidades acreditam que vetos a artigos específicos podem amenizar a perda de direitos e garantir algumas salvaguardas para o trabalhador brasileiro.

A Repórter Brasil levantou os principais pontos que podem suavizar os problemas causados pela reforma (clique nos tópicos para saber mais):

(art. 442-B - veto total)

O texto sancionado afirma que autônomos podem ser contratados de forma contínua e exclusiva. Isso permitiria que trabalhadores com carteira assinada possam ser demitidos e recontratados como autônomos ou "PJ", as pessoas jurídicas. O texto permite que a empresa exija exclusividade ao prestador de serviço, que ficaria impedido de prestar serviços para outras empresas.

O governo prometeu retirar o termo "exclusividade" do texto. Porém, para a liderança do PT no Senado, isso não é suficiente. Seria preciso vetar o artigo na íntegra, pois a manutenção da "continuidade" permite que trabalhadores hoje contratados sejam "pejotizados". Além disso, o texto sancionado diz que a contratação de autônomo "afasta a qualidade de empregado", o que faz com que esses trabalhadores percam direitos assegurados pela Constituição. A sugestão é de veto total ao artigo.

(art. 443 e 452-A - veto total ou melhor regulamentação)

A "jornada zero hora" é o caso do trabalhador que assina um contrato de trabalho intermitente com uma empresa, fica à disposição do empregador, mas recebe apenas pelas horas trabalhadas. Esse ponto foi alvo de críticas dos senadores, e o Planalto promete retirar a multa (prevista no art.452-A, parágrafo 4° do texto sancionado) nos casos em que o trabalhador é convocado para o trabalho e não aparece. O rascunho da medida provisória também afirma que a empresa não pode demitir um funcionário e recontratá-lo como intermitente por 18 meses.

Força Sindical sugere veto total aos artigos. A UGT (União Geral dos Trabalhadores) defende melhor regulamentação do trabalho intermitente, limitando as empresas a terem, por exemplo, apenas 10% da sua mão de obra com esse tipo de jornada - ou limitando ao primeiro emprego (jovens). A UGT também sugere que, independentemente da quantidade de horas trabalhadas, o menor valor que o trabalhador pode receber é o salário mínimo.

(art. 394-A - veto total)

Esse é um dos pontos considerados mais abusivos da reforma. Depois de muito debate, no ano passado, uma lei complementar à antiga CLT proibiu que grávidas e lactantes trabalhem em locais insalubres. Essa conquista, porém, foi retirada na reforma trabalhista. A legislação sancionada permite que grávidas e lactantes trabalhem em locais com insalubridade média e baixa e que só podem ser dispensadas mediante atestado médico. O governo sinalizou que vai alterar esse ponto via medida provisória.

(art. 62 - veto ao inciso III e alteração do art.75)

A reforma não estabelece controle de ponto para o home office, portanto, o empregado poderia trabalhar acima da jornada permitida em lei sem direito ao pagamento de horas extras. Especialistas sugerem veto a este dispositivo e defendem que sindicatos determinem como será o controle do tempo trabalhado em casa.

Além disso, o artigo 75-D diz que a responsabilidade pela aquisição e manutenção dos equipamentos pode ser negociada individualmente, sem participação dos sindicatos. Para o Dieese, esse ponto tem que ser vetado ou alterado. O home office deveria ser regulamentado pelos sindicatos para garantir mais direitos ao trabalhador e também para diferenciar as regras para cada atividade econômica, como, por exemplo, indústria têxtil (costureiros) e informática (programadores).

(art. 223-G - veto ao parágrafo 1°)

A reforma, como foi sancionada, diz que indenizações por dano moral serão proporcionais ao salário do empregado, o que fere o princípio de que todos os trabalhadores são iguais perante a lei. Se a mudança não for feita,um trabalhador que ganha 10 vezes mais que seu colega poderá receber, pelo mesmo dano, um valor dez vezes maior.

O Planalto prometeu alterar esse ponto. Porém, na minuta da medida provisória entregue pelo ExeCUTivo, a indenização mínima seria de R$ 16,5 mil e a máxima de R$ 276,6 mil. Para a Anamatra (Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho), o parágrafo 1° deve ser vetado porque a limitação do valor a ser concedido pode não garantir a inteira reparação do dano.

(art. 477 - veto ao parágrafo 2° e aos artigos 477-A e B)

A reforma trabalhista retira a obrigatoriedade de que as demissões sejam homologadas por sindicatos ou autoridades ligadas ao Ministério do Trabalho, o que, na avaliação do Dieese, amplia o espaço para rescisões incorretas. A advogada trabalhista Sílvia Burmeister sugere que se volte ao que estava previsto na antiga CLT, porque, segundo ela, há muita má-fé dos empregadores na hora de calcular a rescisão contratual. Ela lembra que cerca de 30% das ações trabalhistas se referem a verbas recisórias, segundo o CNJ (Conselho Nacional de Justiça).

(art. 457 - veto ao parágrafo 2°)

Pela antiga CLT, prêmios, comissões e gratificações eram consideradas de natureza salarial, além das diárias de viagem quando superavam 50% do salário. Com a reforma, ajudas de custo pagas ao trabalhador, como diárias de viagem, prêmios e abonos, não mais fazem parte do salário do empregado - o que reduz o seu FGTS e também a contribuição previdenciária. Para a Anamatra, este artigo deve ser vetado porque é uma "porta aberta para a fraude", já que empregadores podem substituir um trabalhador que ganhava R$ 2.500 e contratar um novo por R$ 2.000, mais R$ 500 mensais de prêmio.

(art. 2° - veto ao parágrafo 3°)

A nova CLT reduz as situações em que empresas são consideradas como parte do mesmo grupo econômico, criando dificuldades para encontrar as empresas responsáveis em ações trabalhistas.

A antiga legislação permitia que juízes responsabilizassem empresas subsidiárias que possuem os mesmos sócios, por exemplo. Já a legislação sancionada no dia 13 de julho diz que, para configurar grupo econômico, não basta que duas empresas tenham os mesmos sócios. É preciso demonstrar "interesse integrado, efetiva comunhão de interesses e atuação conjunta" das empresas. Entidades ouvidas pela Repórter Brasil sugerem veto a este parágrafo.

(alteração do art. 59-A)

A jornada "12 x 36" é aquela em que o trabalhador trabalha 12 horas e descansa pelas 36 horas seguintes. Atualmente, essas jornadas existem em alguns setores e são regulamentadas em acordos ou convenções coletivas. O problema apontado na nova CLT é que essa jornada poderá ser negociada de forma individual. Especialistas sugerem alteração no caput do art. 59-A. O governo sinalizou que alterará esta parte por meio de medida provisória.

(art. 58 - veto ao parágrafo 2°)

A nova legislação acaba com o pagamento da hora in itinere, ou seja, o tempo de deslocamento do trabalhador do momento em que entra na empresa até ocupar seu efetivo posto de trabalho. Antes, também era considerado como tempo de serviço os casos em que o empregador fornecia o meio de locomoção na ausência de transporte público. No campo, na mineração ou na indústria petrolífera, por exemplo, trabalhadores podem demorar horas neste deslocamento.

(art. 507-A - veto total)

Centrais sindicais sugerem veto a este artigo que permite, entre outras coisas, que o trabalhador que ganha mais de R$ 11 mil faça acordo individual, sem a presença de sindicatos. Para as centrais ouvidas, o trabalhador fica ainda mais vulnerável nessa negociação.

(art. 396 - veto ou nova redação ao parágrafo 2°)

A liderança do PT no Senado sugere veto ou alteração do parágrafo 2°, que diz que os dois intervalos de meia hora obrigatórios para a amamentação têm que ser acordados com o chefe. Na antiga CLT não havia essa determinação. Na avaliação de Souza, o problema é determinar que os intervalos terão que ser negociados com o patrão, o que deixa a trabalhadora vulnerável. "A amamentação deve ser pautada pelo desejo da criança ou da mãe, não do empregador", afirma.

(art. 461 - nova redação e veto ao parágrafo 6°)

A nova CLT abre espaço para acabar com a igualdade salarial entre trabalhadores que têm a mesma função. O problema está no artigo 461, que afirma que é proibido dar salários diferentes para trabalhadores que exercem a mesma função "no mesmo estabelecimento empresarial". É possível entender, por exemplo, que vendedores de lojas diferentes poderiam ganhar salários diferentes.

No seu parágrafo 6°, esse artigo diz que no caso de comprovada discriminação étnica ou sexual, a multa a ser imposta pelo juiz será de 50% do teto do INSS, o equivalente a pouco mais de R$ 2.750. Essa limitação é considerada por magistrados como inconstitucional.

(art. 456-A - veto ao parágrafo 2°)

A liderança do PT no Senado defende veto ao parágrafo 2° que diz que é de responsabilidade do trabalhador a higienização de seus uniformes. "Há setores em que os uniformes são sofisticados e a higienização é delicada", afirma Souza, citando, como exemplo, os uniformes dos trabalhadores da Fórmula 1 e da indústria química.

(art. 4° - veto aos incisos VII e VIII e nova redação ao parág. 2°)

Pela nova CLT, o tempo gastos com a troca de uniforme, higiene pessoal ou estudos (caso de workshops ou cursos de idiomas, por exemplo) não contarão como hora trabalhada. A liderança do PT no Senado sugere veto aos incisos que dizem que não conta como tempo de serviço a higiene pessoal e a troca de uniforme. "O trabalhador troca de uniforme não por interesse pessoal, mas por interesse da empresa", diz Souza.

Para a Contar (Confederação Nacional dos Trabalhadores Assalariados e Assalariadas Rurais), o parágrafo 2° deveria ter nova redação. Como está redigido, abre espaço para que um canavieiro, que fique duas horas sem trabalhar por causa de uma chuva de granizo, tenha que trabalhar duas horas a mais naquele dia sem direito a receber horas extras.

(507-B - veto ao parágrafo único)

A lei sancionada criou um "termo anual de quitação de obrigações trabalhistas", documento que pode ser assinado entre empregados e empregadores perante o sindicato, uma espécie de "nada consta" de pendências trabalhistas. O problema, segundo o auditor fiscal do trabalho Magno Riga, é que, após firmar o termo, o trabalhador ficaria impedido de ir à Justiça questionar o valor do seu salário.

(art. 510-A - veto ou nova redação)

Empresas com mais de 200 funcionários terão representantes eleitos pelos empregados para promover o diálogo com os patrões e resolver conflitos na empresa. Na avaliação do Dieese, esses representantes vão concorrer com o sindicato, o que abre espaço para fraude, como a compra de representantes pelas empresas. O artigo deveria ser suprimido ou alterado, de forma que a eleição dos representantes sejam supervisionadas e coordenadas pelo sindicato. A MP prometida por Temer prevê alterar a redação deste artigo.

(art. 545 - veto total)

Os entrevistados, mesmo os que concordam com o fim da obrigatoriedade do imposto sindical, afirmam que essa medida deveria acontecer por meio de uma reforma do sindicalismo no Brasil. O auditor do trabalho Magno Riga defende que o fim da unicidade sindical - determinação constitucional que permite que apenas um sindicato represente uma categoria por região.

O Dieese sugere a criação de um substituto ao imposto, tal como uma "contribuição negocial", que seria paga por todos os trabalhadores beneficiados pelas negociações coletivas (comandadas por sindicatos) e previamente autorizadas em assembleia geral dos trabalhadores. O presidente Temer, em reunião com as centrais sindicais, se comprometeu a criar um substituto para o imposto sindical, mas essa nova contribuição não está na minuta da MP.

(611-A - veto aos incisos XII e XIII)

O artigo que trata do negociado sobre o legislado diz que convenções coletivas têm prevalência sobre a legislação trabalhista e podem, entre outros pontos, definir o grau de insalubridade do ambiente de trabalho e estabelecer a prorrogação da jornada de trabalho em ambientes insalubres sem a prévia licença do governo, como ocorre atualmente. Para o auditor fiscal do trabalho Magno Riga, os incisos XII e XIII deveriam ser vetados, já que o grau de insalubridade depende de conhecimento e parecer técnico - indisponível para a maioria dos sindicatos - e a ampliação da jornada nesses ambientes compromete a saúde do trabalhador. Esse ponto tem nova redação prevista em minuta da MP, mas, para Riga, a mudança não resolve a questão.

(art. 614 - veto ao parágrafo 3°)

A reforma fixa que convenções ou acordos coletivos não podem ter duração superior a dois anos e que, terminado o prazo de duração de um acordo coletivo, ele já não se aplica até que seja assinado novo acordo.

Para Souza, a determinação é grave. "Todos os benefícios obtidos de uma negociação coletiva são "zerados" antes da negociação seguinte, o que aumenta o poder de barganha dos empregadores". Por exemplo: um sindicato negocia com uma empresa que os trabalhadores terão direito a seguro de saúde. Se não for assinado novo acordo coletivo no prazo de dois anos, o benefício do seguro de saúde deixa de valer.

(art. 790-B - veto total)

A reforma trabalhista afirma que os gastos periciais da ação trabalhista ficarão por conta do autor, mesmo se comprovado seu direito de acesso gratuito à Justiça. Na lei antiga, os gastos periciais ficam por conta da União para quem comprova não ter recursos e, portanto, tem direito à justiça gratuita. Para a Anamatra e o Ministério Público do Trabalho, a norma deve ser vetada porque criaria diferença entre os tribunais, ou seja, apenas na Justiça do Trabalho haveria a cobrança desses gastos.

A Repórter Brasil entrevistou os seguintes especialistas para esta reportagem: Graça Costa, secretária de relações do trabalho da CUT (Central Única dos Trabalhadores), Edson Carneiro Índio, secretário-geral da Intersindical Central da Classe Trabalhadora, José Dari Krein, economista e pesquisador do Cesit / Unicamp (Centro de Estudos Sindicais e Economia do Trabalho da Universidade de Campinas), Clemente Ganz Lúcio, diretor técnico do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-Econômicos), Rafael Dias Marques, procurador do Ministério Público do Trabalho, Guilherme Feliciano, presidente da Anamatra (Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho), Magno Riga, auditor fiscal do Ministério do Trabalho, Sílvia Burmeister, advogada trabalhista e ex-presidente da Associação Nacional dos Advogados Trabalhistas, Ricardo Patah, presidente da UGT (União Geral dos Trabalhadores), Juruna, secretário-exeCUTivo da Força Sindical, Marcos Rogério de Souza, assessor jurídico da liderança do PT no Senado e Carlos Eduardo Chaves, assessor jurídico da Contar (Confederação Nacional dos Trabalhadores Assalariados e Assalariadas Rurais).

Fonte: Repórter Brasil / Reportagem: Ana Magalhães

Agradecimento especial à jornalista Ana Magalhães

Esta reportagem foi realizada com o apoio da DGB Bildungswerk

INTERSINDICAL - Central da Classe Trabalhadora

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