Nordeste se afunda mais na crise e pode sair dela por último

A exaustão do modelo de crescimento baseado na expansão do salário mínimo, dos benefícios sociais e do crédito está fazendo a crise ser particularmente mais amarga no Nordeste. Um levantamento realizado pela consultoria Ceplan a pedido do Valor mostra uma deterioração acima da média nacional dos indicadores de emprego, renda, atividade econômica e comércio varejista da região. Para economistas, a crise no Nordeste pode persistir por mais tempo do que no restante do país.

No acumulado dos últimos 12 meses até março, o Índice de Atividade Econômica (IBC-Br), do Banco Central, caiu 5,3% na região. No Brasil, o indicador recuou 3,5% no mesmo período.

Com maior percentual de pobreza, o Nordeste tem uma dinâmica econômica mais sensível à inflação, ressalta o economista Jorge Jatobá, sócio da Ceplan. Ele afirma que os números refletem a corrosão do poder de compra do salário e dos benefícios sociais, além da retração do crédito, especialmente o consignado. "Os motivos pelos quais o Nordeste está sentindo mais a crise são os mesmo pelos quais a região apresentou maior crescimento que o país em anos anteriores. Quanto maior o voo, maior é a queda", diz.

Embora represente cerca de 13,5% da economia nacional, o Nordeste respondeu por 17,7% das vagas de trabalho eliminadas no país nos últimos 12 meses até março, o que indica que a "queima" de postos formais provocada pela crise está sendo mais acelerada na região. Um dos motivos para isso, explica Jatobá, é o fato da crise ter coincidido com o fim de grandes obras de investimento na região, como é o caso da Refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco. "No auge da construção, Abreu e Lima chegou a empregar 70 mil pessoas. Depois veio uma desmobilização de trabalhadores só comparada a da construção de Brasília".

Desde o último trimestre de 2014, a massa de rendimento real nordestina recuou 8,5%, quase o dobro da queda no Brasil, de 4,3%. Alexandre Rands, da consultoria Datamétrica, explica que a contração da massa de rendimento ocorre por conta do desemprego e da consequente pressão negativa da ausência de vagas sobre as negociações de reajuste salarial.

Esse cenário tem feito o comércio varejista de quase todos os Estados da região - as exceções são Rio Grande do Norte e Sergipe - sofrer mais do que no restante do Brasil. No ano passado, enquanto o país registrou queda de 4,3% no volume de vendas do varejo, Bahia, Pernambuco e Paraíba apresentaram recuos maiores: de 8%, 7,7% e 10,3%, respectivamente.

A derrocada do comércio na região está estampada em placas de "aluga-se" em lojas fechadas na rua da Imperatriz, uma das mais tradicionais no comércio de rua da capital pernambucana. Em um caminho de 100 metros, onde predominam lojas de roupas, sapatos e acessórios, pelo menos 11 espaços comerciais estão procurando novos varejistas dispostos a arriscar na crise.

Na contramão dos outros indicadores, a indústria do Nordeste tem sofrido menos que a nacional, o que pode ser explicado em parte pelo seu perfil. Segundo Rands, boa parte da indústria regional é composta pelo ramo de confecções, que ganhou competitividade no mercado interno por causa do câmbio, e pelo setor de alimentos, que é mais resiliente à crise. "A indústria sucroalcooleira, também forte em muitos estados, ganhou com as exportações."

Houve ainda o início da operação de grandes investimentos na região nos últimos anos, afirma Jatobá. Destaque para a fábrica da Fiat, em Goiana (PE) e do polo siderúrgico em Pecém (CE). No acumulado de 12 meses até abril, a produção industrial física no Nordeste recuou 2,6% enquanto nacionalmente a queda foi de 9,6%.

A resistência da indústria pode ser uma luz no fim do túnel para o NE? Não há consenso sobre isso. Para Jatobá, alguns investimentos de anos anteriores ainda estão amadurecendo, o que deve ajudar na saída da crise. Já para Rands, os setores que vão ser o gatilho na retomada serão os exportadores, pouco relevantes na economia nordestina. "Isso pode postergar a recuperação da região", pontua.

Luiz Alberto Esteves, economista chefe do Banco do Nordeste (BNB), ressalta que o elevado peso do setor de serviços (inclui comércio) na composição do PIB regional pode pesar contra também. "O comércio depende intrinsecamente do emprego, que é a última variável a reagir na trajetória de saída da crise", afirma Esteves.

Considerando os números de 2013, os mais recentes disponíveis, o setor de serviços representa 73,4% do PIB nordestino e 69,8% do nacional. Com a indústria, acontece uma inversão dos pesos. O setor é 20,4% do PIB nordestino e 24,9% do nacional.

Esteves ressalta que quem vai puxar a retomada do país não é o consumo das família, muito menos o gasto público, que também tem presença importante na economia do Nordeste. Ele diz que o motor da recuperação é o investimento privado, em máquinas e equipamentos, um segmento com pouco representatividade na região. "As empresas estão em compasso de espera, mas uma hora vão ter que voltar a investir, até pela própria sobrevivência diante dos concorrentes", diz.

Como o governo não tem recurso para fazer os investimentos em infraestrutura, vai precisar de parcerias com a iniciativa privada para alavancar novamente o setor e de concessões. Mais um vez, o Nordeste larga atrás. "Vai depender muito da capacidade dos estados de gerir esse tipo de engenharia. Sabemos que São Paulo já tem uma expertise maior".

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