Prisão e crise com militares

 


LOGÍSTICA Roberto Dias é o primeiro nome a ser preso pela CPI da covid por mentir durante depoimento sobre negociação de imunizantes

O ex-diretor do Departamento de Logística do Ministério da Saúde Roberto Ferreira Dias saiu preso da CPI da covid. Segundo o presidente da comissão, senador Omar Aziz (PSD-AM), Dias cometeu "perjúrio" em seu depoimento, ao negar que havia combinado um encontro com o policial militar Luiz Paulo Dominguetti, que o acusou de pedir propina para vender vacinas ao governo. Ele foi levado à Polícia Legislativa, onde ficou detido por cerca de cinco horas. Dias foi liberado por volta das 23h após pagar R$ 1,1 mil de fiança e vai responder em liberdade.

O episódio causou atrito entre os próprios senadores e uma crise entre os parlamentares e as Forças Armadas. O Ministério da Defesa emitiu nota de repúdio à fala de Aziz sobre suposto envolvimento de integrantes das Forças Armadas em ilícitos. "Fazia muitos anos que o Brasil não via membros do lado podre das Forças Armadas envolvidos com falcatrua dentro do governo, fazia muitos anos", disse o parlamentar.

Dias foi sargento da Aeronáutica e tem sido citado em denúncias de irregularidades na aquisição de vacinas pelo governo federal.

Na nota, assinada pelo ministro da Defesa Walter Braga Neto e pelos comandantes de Marinha, Exército e Aeronáutica, chama a acusação de "grave, infundada e irresponsável". "As Forças Armadas não aceitarão qualquer ataque leviano às instituições que defendem a democracia e a liberdade do povo brasileiro", diz o documento, que se deteve à fala do senador, sem entrar no mérito da prisão de Dias, ordenada por Aziz durante a sessão.

O presidente Jair Bolsonaro divulgou a nota nas redes sociais sem fazer comentários.

MENTIRAS

Em seu depoimento, Dias disse que conheceu Dominghetti após ele aparecer em um restaurante de Brasília em que jantava com um amigo. Na versão do ex-diretor, o encontro não havia sido agendado e o policial se juntou à mesa porque estava acompanhado de Marcelo Blanco, ex-assessor do Ministério da Saúde. O policial, então, se apresentou como representante da empresa Davati Medical Supply e disse que gostaria de fechar negócio com o governo para vender 400 milhões de doses da vacina AstraZeneca.

A quebra de sigilo do celular de Dominguetti, porém, sugere que o encontro não foi por acaso, como afirmou Dias, mas estava previamente combinado. Em mensagens de áudio, divulgados pela CNN Brasil, o policial já tratava do encontro dois dias antes. A um interlocutor identificado como Rafael, o PM mencionou, no dia 23 de fevereiro, o encontro, que aconteceu no dia 25.

Aziz afirmou que o ex-diretor de Logística fez um dossiê para se defender. Dias não confirmou nem negou a existência do dossiê. "O senhor sabe que fez um dossiê para se proteger. Eu estou afirmando, não estou achando. Nós sabemos onde está o dossiê e com quem está. Não vou citar nome para não atrapalhar as investigações. O senhor recebeu várias ordens da Casa Civil por e-mail lhe pedindo para atender: 'era gente nossa', 'essa pessoa é nossa'. Não foi agora não. É de todo o tempo em que esteve no cargo", disse o senador.

EMBATE

No plenário do Senado, a nota das Forças Armadas provocou reações. "Intimidação eu não aceito", disse o senador Omar Aziz. O líder do governo no Senado, Fernando Bezerra (MDB-PE), admitiu que a declaração foi provocada pelas decisões da CPI, classificadas por ele como "excessos". O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, disse ter o "mais profundo respeito" pelas forças militares e pediu união dos parlamentares para enfrentar a pandemia diante de um clima de incerteza e instabilidade.

"Quero externar aqui a mais absoluta expectativa, desejo e confiança de que a Comissão Parlamentar de Inquérito presidida pelo nobre colega senador Omar Aziz, com todos os membros que ali estão, possa se desincumbir do papel relevante de apuração de responsabilidades que constitui a agenda em si, a razão de ser de uma Comissão Parlamentar de Inquérito", disse Pacheco, fazendo um aceno à CPI e às Forças Armadas ao mesmo tempo, destacando a importância dos órgãos militares.

Dias tenta atacar Luis Miranda; deputado nega

Depois do depoimento de Luis Dominghetti, Roberto Dias também tentou implicar os irmãos Miranda, que denunciaram o caso da Covaxin, durante seu depoimento à CPI da covid. O ex-diretor de Logística disse que negou um cargo a Luís Ricardo Miranda, servidor do Ministério da Saúde, que junto com o irmão, o deputado Luís Miranda (DEM-RJ), denunciou suspeitas de irregularidades na negociação da vacina indiana ao presidente Jair Bolsonaro.

O deputado do DEM acusou Ferreira Dias de mentir e de ser corrupto. O ex-diretor é acusado de ser o autor de algumas das pressões para agilizar a importação do imunizante indiano Covaxin.

"Confesso que neguei um pedido de cargo para seu irmão servidor. E por um momento pensei que pudesse ser uma retaliação. E confesso que sempre achei desproporcional demais. Mas agora, o que se deslinda, é a possibilidade de ter ocorrido uma frustração no campo econômico também", afirmou Dias em depoimento à CPI.

ESTRATÉGIA

Luís Miranda atribuiu a fala do ex-funcionário da Saúde a uma estratégia do governo. O parlamentar disse ao Estadão que o único pedido feito por ele a Dias foi para reservar 500 mil respiradores para Brasília. "É o famoso comentário que segue a mesma estratégia de todos. Desconstruir a testemunha. Fazer ter uma dúvida para que a base bolsonarista faça um recortezinho", afirmou Miranda.

O político do DEM negou que o irmão tivesse qualquer pretensão de mudar de cargo. O servidor é chefe de importação do Departamento de Logística do Ministério da Saúde, setor que era comandado por Dias.

"O que me recordo era que meu irmão queria sair desse departamento pela quantidade de denúncias de rolos, para não chamar de corrupção que esse departamento tem, o DLOG", disse Miranda.

Depois de sair da CPI, em entrevista à imprensa, Miranda afirmou que existem sinais claros de corrupção na gestão do Ministério da Saúde. "Existem aumentos absurdos, da noite para o dia, em contratos internos milionários. É o mensalão do Ministério da Saúde que ninguém está vendo", afirmou o deputado federal.

CPI pode parar no recesso

O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), sinalizou ontem que a CPI da covid pode parar durante o recesso parlamentar. Segundo o senador mineiro, o colegiado só poderá continuar se o Congresso não conseguir votar a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) até o dia 17 deste mês. Pacheco destacou, porém, que o esforço no Legislativo será para avançar com o texto.

"Votando a Lei de Diretrizes Orçamentárias, nós teremos o recesso por imposição constitucional. Se não votar a LDO por algum motivo, nós teríamos, então, um 'recesso branco'. E, aí, a CPI poderia ter o seu funcionamento normalmente, a critério do presidente e de seus membros", afirmou.

"Para votar a LDO é preciso um envidamento de esforços, a instalação da Comissão Mista de Orçamento, a deliberação sobre o projeto, com o relator e os membros da CMO. A sessão do Congresso Nacional com deputados e senadores para sua aprovação. E é isso o que nós vamos nos empenhar para poder fazer. Então, a tendência é a votação da LDO", indicou Pacheco.

Questionado sobre o que aconteceria nas semanas de férias, o presidente do Senado disse que os membros da comissão poderiam usar esse tempo para fazer um trabalho de cruzamento de informações.

Pacheco também indicou que só decidirá sobre o requerimento que pede a prorrogação da CPI por mais 90 dias na reta final do prazo, inclusive para permitir que todos os senadores possam avaliar se o adiamento do fim dos trabalhos é necessário.

Senadores independentes e oposição já conseguiram amealhar as 27 assinaturas necessárias para manter o funcionamento da CPI. Pacheco, que foi contrário à investigação desde o início, disse que "preenchendo os requisitos objetivos, será lido em plenário a prorrogação".

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