Trabalhador que se recusa a ser vacinado contra a COVID-19 pode ser demitido por justa causa?

 Quanto a obrigatoriedade em vacinar ou não, há dois direitos constitucionais que são colocados na balança: a liberdade individual (art. 5º CF) e a saúde pública (art. 196 da CF).


Neste aspecto, embora o direito coletivo sempre prevalece sobre o individual, se o indivíduo decidir não se vacinar e ficar em casa, ou mesmo que sair de casa, se proteger mantendo a distância e utilizando máscara, o Estado nada pode fazer.


Lei 13.979/2020 especifica, no seu artigo 3º, apenas a possibilidade da vacinação ser obrigatória. Porém, nenhuma norma federal posterior tornou esta possibilidade em obrigação, até o momento. O STF considerou válida a aplicação da compulsoriedade da vacina, porém, sem entendimento que a aplicação da mesma deva ser forçada (repercussão geral fixada no ARE 1267879).


A Constituição estabelece em seu art. 22, parágrafo único, que o Estado poderá legislar sobre condições de trabalho e pisos salariais, uma vez que esta normatização não se contempla o âmbito nacional (caso do piso salarial estadual).

 

Entretanto, o art. 22, inciso I da CF estabelece que compete privativamente à União legislar sobre o Direito do Trabalho. Portanto, mesmo que uma lei estadual (ou municipal) trate ou venha a tratar sobre a obrigatoriedade da vacinação, esta norma alcançará apenas os aspectos sanitários, não se estendendo, automaticamente, ao direito trabalhista. 


A legislação federal é clara e objetiva sobre as situações que geram a justa causa (art. 482 da CLT). Não há na norma nada que possibilite a aplicação da justa causa ao empregado que se negue a tomar vacina.

 

Por analogia, há inúmeras pessoas que morrem por complicações decorrentes da gripe e, embora haja uma campanha nacional de vacinação, não vejo nenhum idoso ou pessoas que deveriam tomar a vacina, mas não tomam, sendo demitidas por justa causa por não apresentar o comprovante de vacinação.

 

Se a justa causa fosse possível, o que se admite apenas em prol do debate, antes de a empresa aplicar a pena máxima ao empregado que não tomou a vacina da Covid-19, teria que comprovar que o mesmo não estava tomando os cuidados necessários (uso de máscara, higienização, distanciamento).

 

Além disso, assim como ocorreu no ano passado, a empresa teria que oferecer a opção ao empregado de trabalhar home office e, se houvesse a recusa, a configuração do justo motivo poderia ser comprovada pela falta de interesse do mesmo em manter o emprego.

 

Recentemente, a 13ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 2ª Região (São Paulo) confirmou decisão de primeira instância que validou a dispensa por justa causa de uma auxiliar de limpeza que trabalhava em um hospital infantil e se recusou a ser vacinada. Entretanto, este julgamento, por ser específico e relativo a Tribunal que pode sofrer reparos em instância superior (no caso, TST), não é paradigma definitivo para conclusão do assunto.

 

Entendo que, considerando que a vacinação contra a Covid-19 não é obrigatória, aplicar a justa causa a um empregado que se utiliza dos meios de prevenção, mas se recusa a tomar a vacina, pode ensejar um enorme passivo trabalhista.


Enfim, em 10.03.2022 foi publicada a Lei 14.311/2022, tratando da volta da gestante ao trabalho presencial, inclusive a não imunizada. Esta lei alterou o art. 2º da Lei 14.151/2021, incluindo o § 7º, nestes termos (grifo nosso):


O exercício da opção a que se refere o inciso III do § 3º deste artigo é uma expressão do direito fundamental da liberdade de autodeterminação individual, e não poderá ser imposta à gestante que fizer a escolha pela não vacinação qualquer restrição de direitos em razão dela.


Ora, se à gestante não pode ser aplicada qualquer sanção, por princípio da isonomia, aos demais trabalhadores também cabe este direito. Se o Ministério da Saúde aprovou vacinas destinadas às gestantes e ainda assim elas podem se valer da opção de não se submeterem à vacinação, no caso de retorno à atividade presencial, então qualquer um poderia se valer deste direito fundamental da liberdade de autodeterminação individual. 


Concluindo, se a empresa não quer correr riscos trabalhistas, por cautela, o melhor caminho é evitar a aplicação da justa causa, e, se for o caso, fazer o desligamento imotivado (sem justa causa) do trabalhador.

 


Sergio Ferreira Pantaleão é Advogado, Administrador, responsável técnico pelo Guia Trabalhista e autor de obras nas áreas Trabalhista e Previdenciária.

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