MERCADO INVENTA CONSUMO SEM CONSUMIDOR

Falta pouco menos de um mês para o início do período de maior crescimento do consumo no Brasil, que vai de maio a dezembro. ​Não há como dizer se a tímida recuperação da economia – aliada à baixa inflação e à queda expressiva dos juros – motivará o consumidor a voltar às compras.
Passado o período que sangra o orçamento familiar, com despesas como imposto predial (IPTU), sobre veículos (IPVA) e de renda (IR), volta às aulas e sobras de contas do final de ano e das férias, as pessoas vão finalmente saber se terão condições de firmar compromissos mais relevantes, como adquirir um imóvel. O problema é que, no Brasil, se inventou o mercado de consumo sem consumidor.
Não há empregos consistentes com registro em carteira. Isso está limitando a retomada econômica. Quem assume a responsabilidade de pagar um imóvel por 20 anos sem um bom salário e emprego formal? Isso, é claro, se encontrasse quem financiasse o negócio sem garantias como tempo de trabalho, registro e renda. Ainda mais quando sobram imóveis para alugar, em função da economia cambaleante dos últimos anos.
Não há como nos enganar. Se não houver oferta de bons empregos, o consumo continuará andando de lado. As pessoas somente comprarão mais e melhores alimentos, alguma roupa e calçado, talvez remédios, e acabou. Quem não abre postos de trabalho, também não venderá.
Como observou nesta Folha o empresário Benjamin Steinbruch, as taxas médias de juros continuam em alta, em meio à queda acentuada da Selic. Que só serve como indicador para o mercado quando sobe. A tabela do IR não é corrigida, mas todos os tributos o são com fervor inigualável.
Fala-se e se escreve muito sobre Custo Brasil e o ambiente de negócios hostil aos investimentos. Pois afirmo o que percebemos no dia a dia: vivemos em um país em que é difícil ser consumidor. Como comprar sem emprego? Esse, sim, seria um milagre único na história da humanidade.
Falácias são ditas sempre que defendemos avanços em alguma área econômica e financeira. As companhias aéreas garantiram que a cobrança do despacho de bagagens se reverteria em passagens mais baratas. Nada. Governantes bradaram aos quatro ventos que a Copa de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016 deixariam como herança positiva obras de infraestrutura em diversas capitais brasileiras. Nem é preciso dizer que o dinheiro se escoou pelos conhecidos ralos da área pública.
A taxa Selic extraordinariamente alta era acusada de encarecer os empréstimos bancários, ao lado da inadimplência. Agora tecem loas aos cadastros positivos como forma de baixar os juros. Mas a Selic emagreceu a olhos vistos e as taxas não caíram de verdade nos bancos. Não por acaso, cinco instituições financeiras dominam o mercado. Um duopólio comanda a aviação civil.
Em 2011, o governo federal foi convencido a aumentar o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) incidente sobre carros importados, sob a alegação de que protegeria empregos na indústria automotiva instalada no país. Realmente, caíram as importações de veículos, mas o emprego na área continuou anêmico.
É assustador que haja políticas para tudo – câmbio, juros, inflação –, mas nenhuma referente ao consumo. Não me refiro a heterodoxias governamentais. Governos, quando se mexem, mais atrapalham do que ajudam. Esperaria isso dos segmentos que produzem bens e serviços. Excetuando-se os exportadores, os demais têm de vender para os brasileiros.
Sem dinheiro, repito, não há consumo. Experimente entrar em uma loja e dizer que as coisas estão difíceis, que não tem renda comprovada, mas que gostaria de comprar geladeira, fogão e TV para assistir a próxima Copa. Sem chance.
As pessoas até estão reagindo, abrindo microempresas ou como empreendedores individuais. São caminhos, mas não para todos. Por enquanto, os consumidores têm mesmo de comprar com muita cautela, sem se endividar, até que os empregos retornem.
Fonte: Folha de São Paulo

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