Novas regras do teletrabalho têm furos e haverá judicialização, dizem especialistas

 

O Senado Federal aprovou, em 3 de agosto, o projeto de lei de conversão da Medida Provisória 1.108/22, que regulamenta o teletrabalho. Em cima do laço, já que a MP caducaria dia 5. O texto, que já havia sido aprovado pela Câmara dos Deputados, seguirá para sanção do presidente da República — e é pouco provável que haja modificações dignas de nota. No portal do Conjur

teletrabalho

A norma aprovada pelos senadores determina que o teletrabalho — definido como a prestação de serviço fora das dependências da empresa, de maneira preponderante ou híbrida, que não configure labor externo — deve constar expressamente no contrato individual de trabalho. O documento poderá prever horários e meios de comunicação entre empregado e empregador, desde que garantidos os repousos.

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Empresários e trabalhadores esperavam que a transformação da MP em lei cobrisse as várias lacunas legais que assombravam o teletrabalho, tipo de labuta que ganhou enorme projeção por causa da covid-19, e desse segurança jurídica ao tema. No entanto, isso não ocorreu, ao menos não para os advogados trabalhistas convocados pela ConJur para refletir sobre o assunto.

Ricardo Calcini, professor e coordenador editorial trabalhista, foi direto ao ponto: “A aprovação da MP mais prejudica o sistema do trabalho a distância do que o beneficia”. A explicação: agora, as empresas são obrigadas a dar aos empregados que atuam de maneira remota o mesmo tratamento dos que trabalham presencialmente, o que inclui o controle de jornada. Para Calcini, isso vai desestimular os empresários a adotar o teletrabalho.

"A reforma trabalhista (de 2017) permitia que o teletrabalho não tivesse controle de jornada, o que dava flexibilidade às empresas para as contratações”, disse o professor. “Além disso, várias outras questões do teletrabalho não foram regulamentadas. Por isso eu penso que a aprovação da MP vai trazer pouca ou nenhuma efetividade para incentivar o trabalho a distância”.

Muitos furos
Quando Calcini, que é colunista da ConJur, diz que vários outros pontos do teletrabalho não foram devidamente regulamentados pelo novo texto, ele não está exagerando. Até mesmo os especialistas que se mostraram satisfeitos com o resultado do trabalho dos parlamentares admitem que tem falhas. É o caso de Fernanda Garcez, sócia e responsável pela área trabalhista do escritório Abe Advogados.

Na avaliação dela, a novidade legislativa não esclarece quem deve bancar os custos do teletrabalho — energia elétrica, internet, equipamentos e por aí vai. “A reforma trabalhista dizia que o contrato deveria dispor sobre os custos de infraestrutura do empregado. Como a Justiça trabalhista é muito protecionista, podem surgir dúvidas se a empresa deve ou não pagar uma ajuda de custo mensal para cobrir as despesas do home office”, afirmou ela. “No meu entendimento, careceu um pouco de o legislador entrar nessa matéria. Deixar isso para a esfera contratual, como foi feito em 2017, pode gerar discussão”.

Fernanda também menciona dúvida que ficou no ar sobre o uso de meios digitais (como aplicativos de troca de mensagens) fora da jornada de trabalho. Segundo a advogada, a lei não deixa suficientemente claro se o empregado tem direito a horas extras — ela defende que sim. Por sua vez, Karoline Carvalho de Souza, profissional da área trabalhista da banca SGMP Advogados, alertou para a falta de uma melhor solução para um tema importante: o acidente de trabalho em home office.

“Haverá dificuldade para averiguar de quem é a culpa em um possível caso de acidente ou doença ocupacional: se é do empregador, que não instruiu o trabalhador de forma contundente e não fiscalizou o cumprimento das normas de saúde e segurança de forma efetiva, ou do trabalhador, que foi negligente e descumpriu as orientações recebidas. Não parece razoável responsabilizar o empregador por situações que fogem ao seu controle, tampouco há na legislação parâmetro balizador”, comentou a causídica.

Guilherme Macedo Silva, advogado da área trabalhista do escritório Greco, Canedo e Costa Advogados, também se decepcionou com a ausência de mais clareza sobre o tema no texto legal. “Esperava-se que o texto do projeto de lei regulamentasse situações de saúde e segurança do trabalho no regime de teletrabalho”, afirmou ele. “Também se destaca o fato de que a preferência pela adoção do teletrabalho por empregados portadores de deficiência, com filhos ou guarda de crianças menores de quatro anos tampouco foi regulamentada”.

Na opinião de Rodrigo Marques, coordenador do núcleo trabalhista do Nelson Wilians Advogados, essas várias lacunas legais obrigarão as empresas a serem muito cuidadosas na elaboração do contrato de trabalho, que, por exemplo, deverá deixar claro quem paga as despesas do home office.

“O texto é integralmente omisso quanto à responsabilidade efetiva ou não do empregador sobre o fornecimento da infraestrutura básica e de ajuda de custo para a atividade regular do empregado em regime de teletrabalho”, lamentou ele.

Como se nota, a MP transformada em lei ainda deixa muitas dúvidas sobre o teletrabalho. Mas de uma coisa os especialistas consultados pela ConJur não duvidam: no fim das contas, essas lacunas da legislação terão de ser cobertas, como sempre, pelo Poder Judiciário.

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