Ao aguardar STF para editar súmulas, jurisprudência do TST pode ficar engessada

Artigo da reforma trabalhista que limita alteração de súmulas pelo TST é contestado no Supremo pela PGR
Uma
 ação da Procuradoria-Geral da República no Supremo Tribunal Federal tem
 potencial para dificultar a unificação de uma jurisprudência pela 
Justiça das novas regras da reforma trabalhista.
Após mais
 de um ano e meio de vigência das mudanças, o Ministério Público Federal
 pediu que os ministros do Supremo discutam a limitação para alteração e
 edição de súmulas pelo Tribunal Superior do Trabalho.
Enquanto
 o Supremo não se pronunciar sobre o tema, a jurisprudência da reforma 
trabalhista tende a ficar defasada. Em março, o TST estava prestes a 
discutir a atualização de sua jurisprudência pela primeira vez após a 
reforma trabalhista, mas suspendeu essa análise quando o tema chegou ao 
Supremo.
Muitas das alterações introduzidas pela Lei 
13.467/2017, a reforma trabalhista, conflitam diretamente com súmulas e 
orientações jurisprudenciais do TST. Entretanto, a mesma lei criou 
regras rígidas para alterações dessas súmulas ao introduzir a alínea ‘f’
 no artigo 702.
Esse dispositivo determina que, para 
estabelecer ou alterar súmulas, são necessários votos de ao menos dois 
terços dos ministros do TST, e somente podem ser realizadas caso a mesma
 matéria já tenha sido decidida de forma idêntica por unanimidade em, no
 mínimo, dois terços das turmas em pelo menos dez sessões diferentes em 
cada uma delas.
Para o procurador do trabalho Helder 
Amorim, vice-presidente da Associação Nacional dos Procuradores do 
Trabalho (ANPT), o dispositivo “praticamente inviabiliza o TST de editar
 novas súmulas e de alterar a sua jurisprudência”, pois institui 
“critérios extremamente rígidos que não são exigidos de nenhum outro 
tribunal em relação a sua jurisprudência”.
A falta de 
regras semelhantes para outros tribunais foi um dos argumentos 
utilizados pela PGR ao ajuizar a ação direta de inconstitucionalidade 
(ADI) 6.188. Na ação, a PGR diz que o dispositivo “atenta contra o 
núcleo essencial da autonomia dos tribunais” ao regular matéria interna 
do Poder Judiciário, o que fere ao princípio constitucional da separação
 dos Poderes.
O mesmo argumento foi utilizado pelo próprio
 presidente do TST, o ministro Brito Pereira, ao defender a invalidade 
do dispositivo em documento enviado ao Supremo na ação declaratória de 
constitucionalidade (ADC) 62, ajuizada pela Confederação Nacional do 
Sistema Financeiro (Consif) a fim de confirmar a aplicação do 
dispositivo.
As duas ações estão sob relatoria do ministro
 Ricardo Lewandowski e têm pedidos de liminares, mas nenhuma teve 
decisão até o momento.
Súmulas enfraquecidas
Desde 
que a Lei 13.467/2017 entrou em vigor, a postura do TST tem sido a de 
aguardar o Supremo decidir sobre a nova lei. Há ao menos 15 ações 
questionando a constitucionalidade de artigos da reforma pendentes de 
julgamento no STF, sobre temas como trabalho intermitente, índice de 
correção de débitos trabalhistas, tabelamento da indenização por danos 
morais e justiça gratuita.
A deferência do TST ao Supremo 
Tribunal Federal não é recente e se acentuou após a reforma, para evitar
 desgastes e decisões conflitantes. No ano passado, o próprio ministro 
Brito Pereira disse que era melhor aguardar o Supremo dar a palavra 
final sobre diversos temas da reforma, e que a jurisprudência iria se 
pacificar com o tempo.
O único movimento diferente do TST 
sobre a reforma foi quando o pleno ensaiou, em 20 de março, declarar a 
inconstitucionalidade sobre a alínea ‘f’ do artigo 702 da CLT, que afeta
 o próprio regimento interno do TST. Porém, como o tema foi parar no STF
 às vésperas da sessão que discutiria essa arguição de 
inconstitucionalidade, o TST decidiu, por maioria, se autoconter, ainda 
que não haja nenhuma ordem vinda do Supremo sobre o tema.
A
 tendência era de que o pleno do TST declarasse inconstitucional o 
dispositivo e que, a partir disso, começasse a discutir a alteração ou 
cancelamento de 14 súmulas e quatro orientações jurisprudenciais. O 
tribunal não divulgou quais seriam essas súmulas, mas o JOTA apurou que 
estavam no radar súmulas que tratam sobre honorários advocatícios e 
periciais, critérios para concessão de justiça gratuita, horas in 
itinere e condições para preposto.
As súmulas 90 e 320 do 
TST, por exemplo, determinam que é obrigatório o cômputo das horas in 
itinere (tempo de deslocamento entre residência e local de trabalho de 
difícil acesso) como jornada de trabalho, e as regras para 
disponibilização de transporte pela empresa. A reforma trabalhista, 
porém, incluiu o inciso 2 no artigo 58, fixando que o tempo gasto pelo 
empregado até o local de trabalho e seu retorno, por qualquer meio de 
transporte, incluindo aquele fornecido pelo empregador, não será 
computado na jornada.
As súmulas 219 e 329 também têm 
previsão de serem alteradas. Elas tratam sobre honorários advocatícios e
 conflitam diretamente com o artigo 791-A da CLT, inserido pela reforma,
 ao preverem critérios para condenação de honorários de sucumbência. Com
 a nova regra, os honorários de sucumbência são devidos em qualquer 
situação, para qualquer uma das partes.
Já a súmula 377 do
 TST, que também deve ser alterada, trata da necessidade do preposto, o 
representante dos diretores das empresas para comparecimento em 
audiência trabalhista, ser empregado da empresa. Com a reforma, o 
preposto não precisa mais ser empregado.
Os honorários 
periciais também são alvo de conflito entre jurisprudência do TST e as 
novas regras trabalhistas. Na súmula 457, o TST determina que a União é 
responsável pelo pagamento dos honorários de perito quando a parte  
sucumbente for beneficiária da justiça gratuita. A Lei 13.467, porém, 
inseriu o artigo 790-B na CLT, fixando que a responsabilidade pelo 
pagamento dos honorários periciais é da parte sucumbente na pretensão 
objeto da perícia, ainda que beneficiária da justiça gratuita.
As
 súmulas do TST têm efeito vinculante, devendo ser seguidas por todas as
 instâncias da Justiça do Trabalho. Quando algum magistrado decide de 
forma contrária a alguma súmula, a parte prejudicada pode impetrar um 
recurso de revista no TST. Porém, com súmulas desatualizadas, cria-se um
 impasse entre seguir a legislação ou a jurisprudência da Corte 
trabalhista.
Para Amorim, ficou clara a intenção do 
legislador de diminuir os poderes do TST de interpretação da CLT. Isso 
porque há a visão de que a Justiça do Trabalho tende a ser mais 
protetiva ao trabalhador. Para o procurador, é papel do TST equilibrar 
as forças dos empregadores e dos empregados na interpretação das leis, 
mas o TST tem se mostrado mais a favor da modernização das leis de 
trabalho nos últimos anos, então a tendência é de aplicar a reforma.
“O
 TST tem essa função que é considerada essencial, que é de fazer uma 
interpretação ponderada que equilibre os interesses entre o capital e o 
trabalho. Como a reforma é extremamente liberal, e a atende 
profundamente aos setores econômicos, o TST teria nessa conjuntura o 
papel fundamental de conferir uma interpretação que fosse ponderada, 
equilibrada”, argumenta. “Mas hoje o TST é muito mais liberal do que era
 na época em que editou essas súmulas. O tribunal está tentando ajustar 
as súmulas e não está conseguindo, nem para se adequar a reforma. O fato
 de haver uma jurisprudência unificada a respeito de uma matéria confere
 ao empregador a legalidade ou não de sua conduta”, destaca.
A
 intenção da reforma de diminuir os poderes dos TRTs e do TST vai além 
da limitação para alteração de jurisprudência e fica explícita na 
inserção do parágrafo 2º no artigo 8 da CLT. Tal dispositivo estabelece 
que “súmulas e outros enunciados de jurisprudência editados não poderão 
restringir direitos legalmente previstos nem criar obrigações que não 
estejam previstas em lei”. Em muitas ocasiões, o TST já ampliou a 
aplicação de leis por meio de súmulas, como no caso das horas in 
itinere. 
Um efeito prático da trava na atualização de 
súmulas é a diminuição de possibilidade de entrar com recursos de 
revista no TST. O recurso de revista pode ser impetrado em caso de 
divergências de entendimentos entre tribunais e no caso de violação de 
súmulas e orientações do TST. Entretanto, como o TST não tem novas 
súmulas sobre a reforma trabalhista, perde-se a oportunidade de unificar
 jurisprudência sobre alguns temas.
“Perde-se a 
oportunidade de deliberar sobre essas matérias. Dificulta a formação de 
uma interpretação unificada e nacional, gerando insegurança jurídica, 
incerteza, imprevisibilidade sobre a aplicação da reforma”, diz o 
vice-presidente da ANPT.
Fora do radar
São muitas as
 ações envolvendo a reforma trabalhista no Supremo, e a maioria delas 
chegou à Corte nas semanas seguintes à sua vigência, em novembro de 
2017. As ações envolvendo a limitação da alteração de súmulas pelo TST, 
por terem sido ajuizadas apenas recentemente e envolverem questão 
interna dos tribunais trabalhistas, não deve ganhar prioridade e 
dificilmente entrará na pauta deste ano no STF.
Por 
enquanto, o STF já finalizou o julgamento de dois temas da reforma 
trabalhista. O primeiro a ser julgado foi o fim da contribuição sindical
 obrigatória, que foi declarado constitucional pelo plenário no ano 
passado. Já em maio deste ano, o STF declarou inconstitucional permissão
 para o trabalho de grávidas e lactantes em ambientes insalubres.
Na
 pauta divulgada pelo presidente Dias Toffoli de agosto a novembro, o 
único tema referente à reforma trabalhista previsto é o tabelamento dos 
danos morais, previsto para o dia 3 de outubro. São três ações que 
discutem a constitucionalidade do artigo 223-G da CLT, inserido pela Lei
 13.467, que classifica a gravidade dos delitos e o quanto se deve pagar
 de indenização por eles, usando como critérios de valoração os salários
 recebidos pelos trabalhadores.
Outros temas da reforma 
que aguardam decisão do STF são o índice de correção monetária a ser 
utilizado no pagamento de débitos trabalhistas (a reforma instituiu a 
TR, mas a Justiça do Trabalho vinha aplicando o IPCA-E) e a 
constitucionalidade dos contratos de trabalho intermitentes. Outro tema 
contestado no STF se refere à obrigação de pagamento de honorários de 
sucumbência para beneficiários da justiça gratuita.
Fonte: Jota.Info

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