ACIDENTE DE TRABALHO - RESPONSABILIDADE DO EMPREGADOR?

 

Sergio Ferreira Pantaleão


"Pago porque a lei me obriga, mas não concordo. A desatenção dele foi o que provocou o acidente. Porque sou eu o responsável?"


Esta reação por parte dos empregadores é bem comum por não se sentirem responsáveis pela causa do acidente e, tampouco, serem condenados ao pagamento de indenização por dano moral ou material ao empregado acidentado.


Assim como o empregador acredita muitas vezes não ser o culpado pelo empregado sofrer um acidente, não seria razoável acreditar que o empregado tivesse a intenção de provocar o acidente, sob pena de ficar inválido ou incapacitado, sem poder prover o sustento à sua família ou pelo risco de estar "descartando" sua vida pessoal ou profissional.


Acidente do trabalho é aquele que ocorre no exercício de atividade a serviço da empresa e provoca lesão corporal ou perturbação funcional, que pode causar a morte, a perda ou a redução permanente ou temporária da capacidade para o trabalho.


Consideram-se, também, como acidente do trabalho:


  • A doença profissional ou do trabalho, produzida ou desencadeada pelo exercício do trabalho peculiar a determinada atividade;
  • Acidente típico, que ocorre pelo exercício do trabalho a serviço da empresa;
  • Acidente de trajeto, que ocorre no percurso do local de residência para o de trabalho ou desse para aquele, considerando a distância e o tempo de deslocamento compatíveis com o percurso do referido trajeto.
     

O prejuízo material decorrente do acidente de trabalho se caracteriza pela diminuição das possibilidades em obter os mesmos rendimentos por meio da força de trabalho de que dispunha o empregado antes do fato ocorrido. 


Essa redução diz respeito à profissão ou ofício então desenvolvidos, em que se comprova a diminuição da capacidade laboral por parte do empregado, consoante entendimento extraído do art. 950 do Código Civil de 2002, in verbis:


"Art. 950. Se da ofensa resultar defeito pelo qual o ofendido não possa exercer o seu ofício ou profissão, ou se lhe diminua a capacidade de trabalho, a indenização, além das despesas do tratamento e lucros cessantes até ao fim da convalescença, incluirá pensão correspondente à importância do trabalho para que se inabilitou, ou da depreciação que ele sofreu.


Parágrafo único. O prejudicado, se preferir, poderá exigir que a indenização seja arbitrada e paga de uma só vez."


Dever de Indenizar - Dolo ou Culpa?


O dever de indenizar surgiu da teoria do risco gerado, ou seja, se é o empregador quem cria o risco por meio de sua atividade econômica (empresa), a ele caberá responder pelos danos causados, independente de dolo ou culpa. A este contexto atribuímos a teoria da responsabilidade objetiva.


Assim dispõe o art. 927 do Código Civil ao determinar que há obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano (empregador) implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.


Se o empresário se propõe a estabelecer uma empresa que pode oferecer riscos na execução das atividades, se contrata pessoas para executar estas atividades se beneficiando dos lucros gerados, à este (empregador) devem ser atribuídos o risco do negócio, assim como os resultantes dos acidentes também deverão ser por ele suportados.


Por outro lado, há entendimento de que se deveria aplicar, nestes casos, a teoria da responsabilidade subjetiva, ou seja, somente após comprovar que houve dolo ou culpa do empregador, é que lhe imputaria a responsabilidade pelo acidente e, consequentemente, o dever de indenizar.


A Constituição Federal dispõe em seu artigo 7º, inciso XXVIII, que é direito dos trabalhadores o seguro contra acidentes do trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa.


O dolo é a intenção de agir em desfavor ao que dispõe a lei ou contrariamente às obrigações assumidas, agir de má-fé, é enganar mesmo com pleno conhecimento do caráter ilícito do próprio comportamento.


A culpa é a negligência, a falta de diligência (cuidado) necessária na observância de norma de conduta, isto é, não prever o que poderia ser previsível, porém sem intenção de agir ilicitamente e sem conhecimento do caráter ilícito da própria ação.


Como se pode observar, há uma norma constitucional direcionando para a responsabilidade subjetiva e uma norma infraconstitucional direcionando para a responsabilidade objetiva.


Entendimento Jurisprudencial - Nexo de Causalidade


Assim como em diversos outros aspectos trabalhistas, a questão fica para ser solucionada pelo entendimento jurisprudencial, onde o magistrado, diante de cada caso concreto, toma as decisão mediante as provas apresentadas no processo.


Ora pode-se comprovar que houve culpa do empregado no acidente de trabalho pela falta de cuidado ao manusear o equipamento ou executar a tarefa, mesmo com todas as orientações, treinamentos e equipamentos necessários, e ora pode-se comprovar que houve culpa do empregador que, por não observar as normas de segurança ou por obrigar o empregado a laborar frequentemente em horas extras, causando-lhe desgaste físico e mental, proporcionou o acidente.


Assim, o acidente do trabalho, por si só, é insuficiente para gerar a obrigação indenizatória por parte do empregador, pois, somente se verificará a obrigação de ressarcir os danos, quando na investigação da causa, ficar comprovado que este dano é consequência direta e imediata (nexo de causalidade) de uma atuação dolosa ou culposa do empregador.


Jurisprudências


AGRAVO DE INSTRUMENTO DO RECLAMANTE. (...) ACIDENTE DE TRABALHO. TÉCNICO DE TELECOMUNICAÇÕES. INSTALAÇÃO DE LINHA TELEFÔNICA. QUEDA EM DESCIDA DE ESCADA. FRATURA DA PERNA ESQUERDA. ATIVIDADE DE RISCO. RESPONSABILIDADE CIVIL. CULPA CONCORRENTE. CONFIGURAÇÃO. 1. Cediço que incumbe ao empregador o dever de proporcionar ao empregado as condições de higiene, saúde e segurança no ambiente laboral, sob pena de afronta ao princípio da prevenção do dano ao meio ambiente, exteriorizado, no âmbito do Direito do Trabalho, na literalidade do artigo 7º, XXII, da Carta Magna, segundo o qual é direito dos trabalhadores, urbanos e rurais, dentre outros, "a redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene segurança". 2. A teor do acórdão regional restou demonstrado que o reclamante escorregou de uma escada em virtude da chuva, a par de não comprovado que o cinto de segurança fornecido pudesse evitar a queda durante a descida da escada, tampouco se possível a sua utilização nas circunstâncias descritas no acórdão regional, ou mesmo se o reclamante recebeu as devidas orientações acerca dos procedimentos de segurança para a realização de trabalhos em altura, ônus que cabia à reclamada, pois, ao que se depreende do acórdão regional, o reclamante "ficava preso no cinto de segurança apenas quando estava no alto", ou seja, "na subida e descida da escada não ficada preso ao cinto". Assim, eventual negligência na utilização do equipamento de segurança, acaso houvesse, não poderia, no caso em apreço, ser imputada unicamente ao reclamante. Aliás, sequer há notícia acerca de pontos de ancoragem, fornecimento de varas telescópicas ou outros equipamentos que viabilizassem a efetiva segurança do reclamante, haja vista que o fornecimento de cinto de segurança, por si só, não comprova que o acidente pudesse ser evitado. 3. Nesse contexto, em que o reclamado não tomou todos os cuidados necessários à preservação da incolumidade física do trabalhador, resta delineado o elemento culposo que, somado ao dano e ao nexo causal, atrai o dever da reclamada de indenizar. 4. Assim, na mesma medida em que o acidente poderia ter sido evitado se a reclamada tivesse observado as normas de segurança no trabalho, também não teria ocorrido se o próprio trabalhador tivesse usado o cinto na subida e descida da escada. Impõe-se, com isso, reconhecer a parcela de culpa do próprio reclamante, ou seja, a sua culpa concorrente, a qual, todavia, não elide a responsabilidade da reclamada, devendo ser sopesada apenas no arbitramento da indenização por dano moral. Configurada a violação dos arts. 5º, V e X, e 7º, XXVIII, da Lei Maior e 927 do CCB. Recurso de revista conhecido e provido, no tema. (RR - 224100-72.2003.5.02.0382 , Relator Ministro: Hugo Carlos Scheuermann, Data de Julgamento: 07/02/2018, 1ª Turma, Data de Publicação: DEJT 09/02/2018).


ACIDENTE DE TRABALHO. AUSÊNCIA DE USO DE EPI FORNECIDO PELA EMPREGADORA. CULPA EXCLUSIVA DO EMPREGADO. AUSÊNCIA DOS PRESSUPOSTOS PARA A RESPONSABILIDADE CIVIL. INDENIZAÇÃO INDEVIDA. Comprovado nos autos que o autor não utilizou as luvas de raspa fornecidas pela empregadora para a execução da atividade de demolição de construção civil, vindo a sofrer acidente de trabalho típico, com ferimento nas mãos em razão de estilhaços, que certamente teria sido evitado não fosse a omissão faltosa do empregado (art. 158, parágrafo único, "b", da CLT), não há falar em indenização, máxime em se considerando que o autor participou dos cursos e treinamentos de prevenção de acidentes, estando plenamente consciente da sua obrigação. A Súmula nº 289 do TST não prejudica esse entendimento, porque além de restrita ao trabalho em condições insalubres, o que não é a hipótese dos autos, a análise da culpa nos casos de acidente de trabalho há de ser feita com base em critérios específicos, considerando as circunstâncias do caso concreto, o grau de risco da atividade e a corresponsabilidade tanto do empregado quanto do empregador para a prevenção dos acidentes. Tratando-se de culpa exclusiva do empregado, que recusou-se a cumprir as normas de segurança próprias da atividade laboral, descabe responsabilizar a empregadora pelos danos que sofreu em decorrência do infortúnio. (TRT da 3.ª Região; Processo: 0000063-65.2013.5.03.0097 RO; Data de Publicação: 13/06/2016; Disponibilização: 10/06/2016, DEJT/TRT3/Cad.Jud, Página 252; Órgão Julgador: Sexta Turma; Relator: Rogerio Valle Ferreira; Revisor: Convocada Gisele de Cassia VD Macedo).


ACIDENTE DE TRAJETO. RESPONSABILIDADE DO EMPREGADOR. ESTABILIDADE PROVISÓRIA ACIDENTÁRIA. Não se pode responsabilizar o empregador pela ocorrência de acidente de trajeto, se o empregado estava em seu próprio veículo, no seu percurso normal o rotineiro de casa para o trabalho, sem qualquer ingerência do empregador, como, por exemplo, determinação deste para mudança de percurso ou de horário.(TRT da 3.ª Região; PJe: 0010491-34.2015.5.03.0163 (RO); Disponibilização: 09/06/2016, DEJT/TRT3/Cad.Jud, Página 140; Órgão Julgador: Primeira Turma; Relator: Jose Eduardo Resende Chaves Jr.).


ACIDENTE DE TRABALHO - FATO DE TERCEIRO - AUSÊNCIA DE RESPONSABILIDADE DO EMPREGADOR - Quando o acidente de trabalho é desencadeado por ato de pessoa estranha aos quadros do empregador, fica caracterizado o fato de terceiro, que exclui o nexo causal entre o trabalho e o acidente. Há o acidente de trabalho típico, mas, em razão da comprovação do fato de terceiro, não é possível imputar ao empregador o dever de reparação dos danos morais ou materiais, ficando excluída a responsabilidade civil. (TRT da 3.ª Região; PJe: 0010913-51.2014.5.03.0031 (RO); Disponibilização: 25/05/2016, DEJT/TRT3/Cad.Jud, Página 259; Órgão Julgador: Segunda Turma; Redator: Convocado Helder Vasconcelos Guimaraes).

Sergio Ferreira Pantaleão é Advogado, Administrador, responsável técnico pelo Guia Trabalhista e autor de obras na área trabalhista e previdenciária.


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