MAIS IDOSOS NO MERCADO DE TRABALHO

Durante toda a sua carreira, entre uma reportagem e outra, o jornalista Ricardo Moraes tinha um sonho além dos papéis: ter um bar. Há dois anos, quando se aposentou, preferiu trocar a desaceleração de uma vida inteira de trabalho pelo desafio de recomeçar. E, aos 65 anos, acabou de inaugurar a filial do boteco paulistano Bar Léo, no Centro do Rio.
Mas não é só ele. Segundo dados do Ministério dos Direitos Humanos, os idosos somam 23,5 milhões dos brasileiros, mais que o dobro do registrado em 1991. E a projeção é que serão 30% da população em 2050 (em 2010 eram 10%).
Para compor a equipe, Moraes misturou a energia e a agilidade de funcionários jovens à experiência em atendimento de excelência dos mais velhos. Para isso, chamou o também aposentado Luis Ribeiro, de 67 anos, para ser seu maître e o garçom Francisco Carlos, que ainda não aposentou mas já passou dos 50 anos.
— Eu ensino organização, senso de hierarquia e como ser mais formal e excelente no atendimento ao cliente. E eles me ensinam muito sobre tecnologia — conta Ribeiro, que tem 45 anos de estrada e se aposentou há três anos.
Esta mistura de gerações não é de hoje, mas prepare-se, porque ela será cada vez mais presente dentro das empresas. E por um motivo muito simples: as pessoas estão envelhecendo mais tarde.
Com avanços da medicina e estilo de vida mais saudável aquele senhor que há décadas passadas preparava-se para ficar no sofá aos 60 anos, hoje, está a todo vapor. Além disso, há a questão pessoal, de querer se manter ocupado e útil, e a financeira, pois, como se sabe, apesar da contribuição de uma vida inteira, o retorno é quase sempre baixo aos trabalhadores comuns.
Tudo isso afeta diretamente o mercado de trabalho, que passa a contar com uma força de trabalho mais madura e bem presente, e traz desafios também. Um deles é justamente a harmonia entre gerações tão diferentes. Em tese, ambos agregam: os mais velhos com sua experiência, padrões de qualidade sólidos e comprometimento; e o mais jovens com sua vivacidade, fácil adaptação e familiaridade à tecnologia. Na prática, porém, há outras questões.
— Depois dos 50 anos, ficou mais difícil achar trabalho. Eles preferem os mais novos porque acham que têm mais tempos e disposição, o que não é verdade. E tem a questão financeira. Ás vezes, preferem os mais novos porque não valorizam a nossa experiência e preferem pagar menos — diz o cearense Carlos, de 57 anos.
Diante da um cenário em que é cada vez maior a população idosa economicamente ativa, Mórris Litvak criou o site MaturiJobs que é voltado para profissionais com mais de 50 anos. A ideia, segundo ele, surgiu a partir da experiência da avó, que trabalhou até os 82 anos.
O site reúne ofertas que podem ser preenchidas e as específicas para maiores de 50. Geralmente, são para atendimento a cliente e vendas, e gestão administrativa e financeira, diz.
Segundo ele, ainda há preconceito com a idade e, nos momentos de crise, os mais velhos são os primeiros a saírem, principalmente por conta dos salários mais altos. Por outro lado, trazem bons padrões de atendimento, são comprometidos e têm mais jogo de cintura para lidar com clientes, muitas vezes lacunas para os mais jovens tão conectados às telas de seus celulares.
— O profissional tem que entender que é diferente de quando ele entrou no mercado de trabalho. As relações estão mais horizontais, a forma de realizar o trabalho mudou e a atualização da tecnologia é fundamental. A experiência dele é muito importante para o mercado, mas eles também podem se atualizar.
A rede de supermercados SuperPrix também focou neste nicho e criou um programa que oferece emprego para profissionais com mais de 50 anos. As vagas são para diversas áreas, como mercearia, balcão, caixa, limpeza.
— Só não as que têm que carregar peso — explica Robson Baptista, gerente da loja em Ipanema.
Segundo ele, um dos mitos é a questão de que os mais velhos se cansam mais: — Pelo contrário. Eles querem provar que podem e, às vezes, têm mais disposição até que os mais novos.
Entre os funcionários da rede está o “seu” Reginaldo José dos Santos, como é conhecido. Aposentado, aos 72 anos, ele acorda todos os dias entre 5h30 e 6h, cuida da neta pela manhã e à tarde trabalha como operador de estacionamento. Para ele, parar nem pensar, por duas razões:
— Parar de trabalhar envelhece a pessoa. E não dá para depender só da aposentadoria. Se fosse depender dos R$ 990 que recebo, morreria de fome. Como pode político se aposentar com não sei quantos milhares de reais e um monte de mordomias e o trabalhador com menos de R$ 1mil? — questiona o senhorzinho de 72 anos na ativa.
EMPRESAS DEVEM USUFRUIR DO QUE CADA IDADE OFERECE
Além do prazer em se manter ocupado e da necessidade financeira, a presença dos sessentões para cima no mercado deve se intensificar ainda mais se a reforma da previdência for concretizada. Com isso, todos precisam repensar e se adaptar à este cenário. O conflito de gerações é ainda um desafio a ser vencido. A valorização da experiência anciã, inclusive profissional, também é algo que não faz parte da cultura brasileira por ora.
Para o escritor e especialista em liderança, Luciano Meira, os trabalhadores brasileiros ainda não estão, mas precisam se preparar para esse novo quadro de mercado de trabalho, cada vez mais real.
— Estamos indo para um caminho de envelhecimento tardio da força de trabalho, mas não estamos prontos para isso no Brasil. Há várias questões a serem resolvidas, como a demográfica, a da aposentadoria e a dos planos de previdência — explica Meira.
A saída, segundo ele, é responsabilidade principalmente das empresas e gestores em saber aproveitar o que cada um tem a oferecer. No caso dos mais velhos, direcioná-los para atividades mais assertivas e os jovens em que exigem mais força, e não só a física.
— Dos jovens, deve-se esperar, cobrar e valorizar a rapidez, agilidade e atualização, assim como o aspecto mais inovativo. E daqueles mais velhos que tenham se desenvolvido uma maturidade saudável, este desapego e segurança — diz o escritor.
Ele acrescenta: — Do ponto de vista econômico não é fácil mas temos que nos virar porque no Brasil é isso que vai acontecer.
Na balança de prós e contras de cada um, a psicóloga comportamental e especialista em treinamento Mônica Portella pondera que as características podem ser tanto positivas como negativas. Como na diferença entre o que é remédio e veneno, vai depender da dose.
— O millenials, por exemplo, são imediatistas. Pode ser bom porque agiliza os processos, mas ruim porque não tem paciência em esperar. Também costumam ser mais insubordinados e ter mais dificuldade com liderança e hierarquia. Por outro lado, são mais engajados e trabalham com um propósito. É tudo uma questão de medida — afirma Mônica.
Nesta mesma comparação, ela cita que os mais velhos, por sua vez, têm mais paciência e trabalham de maneira mais estruturada e organizada. Contudo, em contrapartida, podem ser morosos e pouco resilientes.
Para ela, equilíbrio é a palavra-chave para esta tendência.
— O conflito das gerações tem a ver com as diferentes formas de se relacionar e para romper isso é necessária a empatia. Se autoconhecer e também conhecer o outro ajuda a criar um bom meio-termo para todos. A empresa pode e deve ajudar neste processo porque se beneficia com a mistura. A tendência é a mistura de gerações, temos que nos acostumar a isso — diz a Mônica.
Fonte: O Globo

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