A (não) eficácia das decisões trabalhistas frente ao INSS [polêmica]

O INSS nem sempre admite que a relação de emprego reconhecida de decisões trabalhistas seja computada como tempo de contribuição para aposentadoria.

 

A (não) eficácia das decisões trabalhistas frente ao INSS [polêmica]

Quantas serão reclamações trabalhistas ajuizadas todos os dias postulando o reconhecimento de uma relação de emprego para um trabalhador que laborou sem registro formal? E quantas delas são resolvidas em acordo, com decisões trabalhistas homologatórias, sem provas documentais? Creio que muitíssimas.
“A reclamatória trabalhista transitada em julgado restringe-se à garantia dos direitos trabalhistas e, por si só, não produz efeitos para fins previdenciários”, é o que diz a IN 77/2015, a “bíblia” do INSS (art. 71).
Por mais chocante que possa parecer, nem sempre que há o reconhecimento de uma relação de emprego de decisões trabalhistas pela Justiça do Trabalho, a Previdência Social (INSS) admite o cômputo do período reconhecido para fins de contagem de tempo de contribuição.
Escrevo este artigo na esperança de que advogados trabalhistas o leiam, muito mais do que os previdenciaristas. Não que este assunto não interesse ao previdenciarista. Porém, a atuação desavisada do advogado trabalhista no passado, poderá ter reflexos desastrosos para a aposentadoria do trabalhador no futuro.

Sumário

  • Argumentos do INSS
  • Decisões da Justiça do Trabalho
  • Recolhimento das contribuições previdenciárias
  • Entendimento dos Tribunais
  • Conclusão e conselhos
  • Normas e jurisprudência citadas no texto.

    Argumentos do INSS

    O INSS justifica sua negativa em dois argumentos principais:
    • O INSS não foi parte na lide trabalhista entre empregado e empregador;
    • Art. 55, § 3º da Lei 8.213/91 (lei de benefícios).
    O § 3º do art. 55 da lei de benefícios traz o que eu chamo de a “equação do tempo de contribuição”. Vejamos:
    Prova de tempo de contribuição = início de prova material (documental) + testemunhas
    [Obs.: caso sua prova documental seja forte e não apenas um “início”, pode ser desnecessário apresentar testemunhas, mas eu não recomendo. Vai que o juiz entende que a prova não é assim tão forte quanto você imaginou, não é mesmo?]
    [Obs. 2: Eu já tratei desta “equação” neste artigo: Perdi a carteira de trabalho! Como provar tempo de contribuição?]

    Decisões da Justiça do Trabalho

    Muitas vezes, na Justiça do Trabalho, a relação de emprego é reconhecida através de provas testemunhais somente ou da confissão (real ou ficta) do empregador, ou seja, sem qualquer prova documental. Também não é raro que o reconhecimento ocorra devido a um acordo, sem análise de quaisquer provas.

    Recolhimento das contribuições previdenciárias

    Como se não bastasse o reconhecimento em Juízo do vínculo de emprego, muitas vezes as contribuições previdenciárias relativas ao período reconhecido são efetivamente recolhidas pelo empregador (voluntariamente ou por intermédio de execução), o que nos faz pensar que estaria tudo certo.
    Porém, este valor pago constará no CNIS (Cadastro Nacional de Informações Sociais) como extemporâneo e o INSS exigirá a prova de trabalho através da “equação do tempo de contribuição”.

    Entendimento dos Tribunais

    O STJ (Superior Tribunal de Justiça) entende que a sentença trabalhista pode ser considerada como início de prova material para a concessão do benefício previdenciário, desde que fundada em provas (vide ementas transcritas ao final do artigo).
    A TNU (Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais) vai além e estabelece que a anotação na CTPS decorrente de sentença trabalhista homologatória constitui início de prova material para fins previdenciários (súmula 31).

    Conclusão e conselhos

    O segurado que obtiver o reconhecimento de seu vínculo de emprego através de uma reclamatória trabalhista provavelmente terá muito trabalho e dor de cabeça para conseguir aproveitar este tempo para aposentadoria.
    Muito embora eu considere tais exigências inconstitucionais (e isso é assunto para outro artigo) e o entendimento dos Tribunais flexibilize um pouco o rigor dos requisitos do INSS, ainda assim deve-se tomar cuidado, pois o STJ exige que a sentença seja fundamentada em provas (ainda que testemunhais). Vamos trabalhar com o que temos, né? Hehehe!
    Dessa forma, aconselho muito cuidado ao advogado ao propor e aceitar acordos na esfera trabalhista. Minha recomendação é que seja anexada a maior quantidade possível de provas documentais e que sejam ouvidas testemunhas. Também recomendo a composição (acordo) apenas na fase de execução, pois, dessa forma, teremos uma sentença mais “forte”.
    Ao trabalhador recomendo duas coisas: 1) guardar todo e qualquer documento possível (papéis, recibos, emails, mensagens, etc.); 2) após o fim do seu processo trabalhista, procure imediatamente um advogado previdenciarista, mesmo que você não esteja próximo de se aposentar, pois ele poderá “acertar” o seu CNIS (Cadastro Nacional de Informações Sociais) e facilitar muito a sua vida quando chegar a hora da aposentadoria.
    E já que estamos falando de direito previdenciário, eu disponibilizei gratuitamente a minha Ficha de Atendimento a Cliente para Causas Previdenciárias (informe seu e-mail no formulário abaixo e eu enviarei a ficha para você). Espero que seja útil!
    Caso esteja com dificuldades de visualizar o formulário, veja a versão original deste artigo lá no blog: A (não) eficácia das decisões trabalhistas frente ao INSS [polêmica]

    Normas e jurisprudência citadas no texto

    Recomendo a leitura integral das normas citadas no texto, as quais optei por transcrever apenas ao final do artigo, para não atrapalhar a fluidez da leitura.

    Lei 8.213/91

    Art. 5º, § 3º. A comprovação do tempo de serviço para os efeitos desta Lei, inclusive mediante justificação administrativa ou judicial, conforme o disposto no art. 108, só produzirá efeito quando baseada em início de prova material, não sendo admitida prova exclusivamente testemunhal, salvo na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito, conforme disposto no Regulamento.

    IN 77/2015

    Art. 71. A reclamatória trabalhista transitada em julgado restringe-se à garantia dos direitos trabalhistas e, por si só, não produz efeitos para fins previdenciários. Para a contagem do tempo de contribuição e o reconhecimento de direitos para os fins previstos no RGPS, a análise do processo pela Unidade de Atendimento deverá observar:
    I – a existência de início de prova material, observado o disposto no art. 578;
    II – o início de prova referido no inciso I deste artigo deve constituir-se de documentos contemporâneos juntados ao processo judicial trabalhista ou no requerimento administrativo e que possibilitem a comprovação dos fatos alegados;
    III – observado o inciso I deste artigo, os valores de remunerações constantes da reclamatória trabalhista transitada em julgado, salvo o disposto no § 3º deste artigo, serão computados, independentemente de início de prova material, ainda que não tenha havido o recolhimento das contribuições devidas à Previdência Social, respeitados os limites máximo e mínimo de contribuição; e
    IV – tratando-se de reclamatória trabalhista transitada em julgado envolvendo apenas a complementação de remuneração de vínculo empregatício devidamente comprovado, não será exigido início de prova material, independentemente de existência de recolhimentos correspondentes.
    § 1º A apresentação pelo filiado da decisão judicial em inteiro teor, com informação do trânsito em julgado e a planilha de cálculos dos valores devidos homologada pelo Juízo que levaram a Justiça do Trabalho a reconhecer o tempo de contribuição ou homologar o acordo realizado, na forma do inciso I do caput, não exime o INSS de confrontar tais informações com aquelas existentes nos sistemas corporativos disponíveis na Previdência Social para fins de validação do tempo de contribuição.
    § 2º O cálculo de recolhimento de contribuições devidas por empregador doméstico em razão de determinação judicial em reclamatória trabalhista não dispensa a obrigatoriedade do requerimento de inclusão de vínculo com vistas à atualização de informações no CNIS.
    § 3º O disposto nos incisos III e IV do caput não se aplicam ao contribuinte individual para competências anteriores a abril de 2003 e nem ao empregado doméstico, em qualquer data.

    STJ

    AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO. SENTENÇA TRABALHISTA. INÍCIO DE PROVA MATERIAL. EXISTÊNCIA.
    1. Esta Corte Superior de Justiça já firmou jurisprudência no sentido de que a sentença trabalhista pode ser considerada como início de prova material para a concessão do benefício previdenciário, desde que fundada em provas que demonstrem o exercício da atividade laborativa na função e períodos alegados na ação previdenciária, sendo irrelevante o fato de que a autarquia previdenciária não interveio no processo trabalhista.
    2. Agravo regimental improvido.
    (STJ, AgRg no REsp 960.770/SE, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, Sexta Turma, julgado em 17.6.2008, DJe 15.9.2008.)
    PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. REVISÃO DE BENEFÍCIO. RECLAMAÇÃO TRABALHISTA. SALÁRIO-CONTRIBUIÇÃO. MAJORAÇÃO DA RENDA MENSAL INICIAL. POSSIBILIDADE. SÚMULA 83/STJ.
    1. O STJ entende que a sentença trabalhista, por se tratar de uma verdadeira decisão judicial, pode ser considerada como início de prova material para a concessão do benefício previdenciário, bem como para revisão da Renda Mensal Inicial, ainda que a Autarquia não tenha integrado a contenda trabalhista.
    2. Incidência da Súmula 83/STJ.
    3. Precedentes:AgRg no Ag 1428497/PI, Rel. Min. Og Fernandes, Sexta Turma, julgado em 07/02/2012, DJe 29/02/2012; AgRg no REsp 1100187/MG, Rel. Ministra Maria Thereza De Assis Moura, Sexta Turma, julgado em 11/10/2011, DJe 26/10/2011)
    Agravo regimental improvido
    (STJ, AgRg no AGRAVO EM REsp Nº 147.454 – DF, Relator MINISTRO HUMBERTO MARTINS, Data do Julgamento: 08/03/2012)

    TNU

    Súmula 31 da TNU: “A anotação na CTPS decorrente de sentença trabalhista homologatória constitui início de prova material para fins previdenciários.”
    FONTES:
    Normas e decisões citadas no texto;
    LAZZARI, João Batista; CASTRO, Carlos Alberto Pereira de. Manual de Direito Previdenciário. 19 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016
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